Mindelo 142 anos de cidade
14 de abril de 1879 – 14
de Abril de 2021 – 142 anos da elevação de Mindelo a categoria de cidade.
De 1850 a 1902 "a
ilha de S. Vicente passa de um espaço marginal, semi-habitado e periférico a um
dinâmico polo de crescimento demográfico, social, administrativo e económico.
Tal afirmação não se justifica apenas tendo em conta como quadro de referência
o arquipélago de Cabo Verde". Assim o diz o historiador cabo-verdiano
António Correia e Silva no seu grande livro "Nos tempos do Porto Grande do
Mindelo" que cito "Mesmo se o situarmos no contexto da região meso-atlântica,
onde se incluem - além de Cabo Verde - os arquipélagos dos Açores, Madeira e
Canárias bem como a Senegâmbia francesa, a Guiné Portuguesa e a colónia inglesa
da Serra Leoa, o processo de desenvolvimento de S. Vicente destaca-se por ser
rápido e exuberante".
De povoamento tardio,
como a ilha do Sal e a mantida inabitada até hoje ilha de Santa Luzia e os
ilhéus, Branco, Raso e Rombo, S. Vicente
fazia parte com elas das chamadas "desertas", condição que por certo
todas se conservariam, não fosse o produto que deu nome a uma delas (a ilha do
Sal foi povoada a partir de 1793 por um particular, Manuel António Martins, que
começou a explorar o sal que abundava naquela ilha, produto que ainda abunda
especialmente na cratera vulcânica das salinas de Pedra de Lume) e a dádiva da
natureza que privilegiou a outra com um porto incomparável no Atlântico Médio
(o Porto Grande de S. Vicente).
A ilha de S. Vicente
começou a ser povoada oficialmente entre 1794 e 1797 (porque entretanto
descobriu se na Aldeia de Salamansa em 1993 um concheiro durante pesquisas
arqueológicas que vieram comprovar que a ilha já tinha tido habitantes
anteriormente mas não de forma permanente), sendo portanto que para o
povoamento oficial em 1794 foram enviadas de Portugal cerca de 44 casais e alguns presos que entretanto não chegaram a ilha, e em 1797
chegaram 112 pessoas enviadas da ilha do Fogo juntamente com o que iria ser o
capitão mor da ilha João Carlos da Fonseca Rosado. O Povoamento foi oficializado em uma cerimónia em Julho de 1797, quando foi dado posse aos 232 habitantes que tinha a ilha nessa altura, compostos pelos recém chegados povoadores do Fogo e outros habitantes das ilhas vizinhas que já se encontravam na ilha.
Mas se consideramos a
conjuntura de Cabo Verde mesmo o decreto de 1838 que mudava o nome da então
pequena Povoação Leopoldina para Mindelo e propunha a mudança da capital da
então Vila da Praia de Santa Maria onde estava situada temporariamente por
decadência da atual Cidade Velha, para a recém-criada Povoação do Mindelo,
mesmo esse decreto não levou a uma real mudança do cenário da ilha que
continuava com poucos habitantes. A verdade é que esse decreto nunca foi posto
em prática porque a capital permaneceu na Vila da Praia de Santa Maria que
posteriormente foi efetivada como capital aquando da sua elevação a categoria
de cidade da Praia em 1858.
Tal conjuntura só veio a
mudar rapidamente a partir de 1850 com a instalação das primeiras companhias de
exploração carvoeira no Porto Grande (é certo que em 1838 os ingleses que eram
amigos dos portugueses desde o período da invasão francesa de Portugal e que
tinham ido em defesa de Portugal tinham pedido a concessão de exploração do
porto e tinham enviado uma missão para explorar as reais condições do mesmo).
Sabemos que os ingleses
em 1815 depois de terem vencido Napoleão Bonaparte tinham se tornado na
principal potência mundial e com a recente independência de muitos países
americanos, Argentina 1816, Brasil 1822 etc., países esses que eram os celeiros
do mundo, aproveitaram assim a sua condição de potencia dos mares para expandir
a sua influência no mundo.
Mas para isso precisavam
de portos amplos no meio do Atlântico que poderiam servir de base para
abastecimento dos navios a vapor que circulavam entre a Europa e as Américas
trazendo o trigo e outros bens.
Assim a Inglaterra
aproveitou da amizade com Portugal para pedir concessão do Porto Grande para
exploração.
Mas um dos passos
decisivos em direção a instalação das companhias inglesas nas ilhas atlânticas
de Portugal e em especial em S. Vicente foi a celebração a 3 de Julho de 1842
do Tratado de Comercio e Navegação entre Portugal e Inglaterra que estabelecia
que os súbditos de cada uma das partes contratantes gozaria nos domínios da
outra de estatuto de nação mais favorecida.
A despeito da igualdade
formal do tratado claramente foram os ingleses os mais beneficiados desse
acordo. A partir de 1850 instalaram-se em S. Vicente várias companhias
inglesas. Em 1850 a Patent Fuel, em 1853 a Visger & Miller, em 1860 a
Wilson Sons & Company, em 1875 a Cory Brothers, entre outras, entretanto
essas mesmas companhias foram-se fundindo criando assim o monopólio do carvão e
assim o preço foi crescendo cada vez mais.
Uma dessas fusões foi
entre a Visger & Miller com a Cory Brothers em 1887 dando origem na grande
companhia Millers & Cory. Entre 1850 e 1900 Mindelo teve um tempo de grande
crescimento em todos os sentidos tanto populacional atraindo população de todas as ilhas em busca de emprego como a nível económico e social.
Em 1852 a ilha deixou de
pertencer administrativamente a ilha de Santo Antão passando a ser um concelho
autónomo. Em 1858 a povoação principal foi elevada a condição de Vila do Mindelo, em 1874
Cabo Verde foi ligada ao mundo através dos cabos submarinos que foram estendidos
em 1875 a cidade da Praia, em 1879 Mindelo foi elevada a categoria de Cidade. Mas,
entretanto, as constantes fusões e a subida do preço do carvão levaram a
primeira crise do Porto Grande em 1891 com o começo da fuga dos navios para
outros portos atlânticos das potencias rivais, tais como Las Palmas nas
Canárias e Dakar no Senegal que operavam melhores preços.
Apesar da melhor posição geoestratégica
de S. Vicente e de ter um muito melhor porto que esses portos a ilha começou a
enfrentar problemas por um lado pela ganância dos que detinham o monopólio e
por outro pela falta de criação de melhores condições de atracação pela potencia
colonizadora. Esse problema colocar se ia depois.
De 1850 a 1891, quando
estalou a 1ª crise do Porto Grande, todas as empresas de abastecimento do
carvão em atividade no Porto Grande tinham sido inglesas. No teatro das trocas internacionais os atores
que detinham a soberania sobre a posição geográfica tendiam a viver somente as
custas de taxas, impostos, tributos e outras formas de captação e
aproveitamento do recurso “posição geográfica”, deixando as formas de
rentabilizar essa mesma posição geográfica nas mãos de empresas estrangeiras.
Essa atitude passiva da
administração portuguesa, que também estava a tirar os seus dividendos,
possibilitou a administração das companhias inglesas de exploração carvoeira a
aplicação de preços cada vez mais especulativos, que lhes garantia grandes
lucros, a curto prazo, mas que era ruinosa a longo prazo.
O que veríamos é que o só
ter um “recurso natural” com boas condições a partida, não garante o futuro
eternamente. Se não vejamos, os portos de Las Palmas nas Canárias e Dakar no
Senegal que dispunham de menos condições naturais a partida por duas razões, 1º
os seus portos não estavam tão abrigados por não terem amplas baías como a Baía
do Porto Grande, por outro lado a sua localização geográfica não era tão
estratégica como a localização de Cabo Verde, porque o de Las Palmas
encontrava-se muito perto do continente europeu e africano mas muito longe das
Américas o que faria ser necessário mais escalas para os navios que partindo da
Europa iam rumo aos recém países independentes das américas do Sul Argentina e
o Brasil que eram os celeiros do mundo. O porto de Dakar apesar das boas
condições naturais também por ficar inserido no continente africano obrigava a
um desvio e também obrigava a ter que efetuar nova paragem no meio do
Atlântico.
Estas aparentes
desvantagens desses portos em relação ao Porto Grande do Mindelo levaram as
autoridades portuguesas a relaxarem e a permitir a especulação de preços aplicados
pelas companhias inglesas. O jogo do mercado e do lucro fácil e rápido falava
mais alto, mas trouxe a longo prazo os inevitáveis resultados.
Em 1891 houve a primeira
grande crise do Porto Grande, que resultou da fuga para esses portos de Las
Palmas e Dakar de boa parte do tráfego de longo curso que tinha levado Mindelo
a ser considerado o principal porto do Atlântico Médio em 1875. As
administrações coloniais, espanhola e francesa, respetivamente também faziam
investimentos nos referidos portos por forma a criarem melhores condições de
atracagem.
Em S. Vicente, as
autoridades portuguesas tentaram solucionar o problema criando uma empresa de
capital nacional, fazendo com que fosse sacrificado a única praça de então a
Praça Dom Luís I, que foi fechada para dar lugar aos armazéns da nova empresa
carvoeira em 1895. Essa tentativa de resolver a situação funcionou
aparentemente, pois houve uma queda nos preços operados e uma gradual retoma em
massa dos navios ao Porto Grande tendo atingindo novo pico de entradas em 1900
superando o anterior pico de 1889.
Contudo, temos que
relacionar esse renovar da exuberância do Porto Grande nos últimos anos do
século XIX, com a guerra do Transval de 1898 a 1902, na qual estavam inseridos
os ingleses. Depois do término desta guerra, o Porto Grande vai sofrer com a
queda abrupta das entradas de navios de longo curso nas águas de Cabo Verde. A
razão é que por um lado, houve de novo uma subida do preço do carvão operado
pelas companhias carvoeiras que de novo combinaram os preços entre si. Para
tal, mesmo a recém-formada Companhia Nacional de Cabo Verde, foi britanizada
com entrada de capital inglês. Por outro lado, a administração portuguesa, não
efetuou as necessárias melhorias do Porto Grande por forma a que fosse
modernizado o Porto Grande do Mindelo que continuou a se valer apenas pela sua
capacidade natural de ancoragem da Baía.
No século XX, S. Vicente
continuou com um ritmo de crescimento em várias áreas mas perderia gradualmente
o domínio do comercio transatlântico para outros portos devido em parte pela
gradual mudança do carvão para o petróleo como principal combustível pois mesmo
com a entrada no mercado cabo-verdiano da companhia anglo holandesa Shell em
1919 a ilha não conseguiu adaptar se as mudanças em virtude de apesar de ter um
dos melhores portos do Atlântico com o aumento da capacidade dos navios o Porto
Grande não foi alvo dos necessários melhoramentos para aumentar a capacidade de
atracagem sendo que o cais acostável só foi construído em 1960 depois da saída
da ilha das principais companhias inglesas na década de cinquenta.
Contudo podemos dizer que
o crescimento da ilha que não apresentava a partida nenhum proveito para a
coroa em menos de 50 anos tornou se no pulmão de crescimento de Cabo Verde e
manteve um bom ritmo até a década de cinquenta do seculo XX quando a era da
navegação começou a dar lugar a era da aviação.
É interessante que as
duas ilhas que foram as últimas a serem povoadas, ilha do Sal em 1793 e S.
Vicente em 1794 seriam as duas que comandariam essas duas fases.
A ilha do Sal que tinha
tido um crescimento lento na época da exploração do recurso sal marinho, teria um
crescimento fulgurante a partir de 1939 com o aproveitamento da sua condição de
uma das ilhas mais planas de Cabo Verde no contexto da 2a guerra mundial para a
criação do aeroporto que em 1949 se tornaria no único aeroporto internacional
de Cabo Verde até fim de 2005.
Novamente foi a posição geoestratégica
que colocou Cabo Verde na rota mundial assim como tinha sido nas duas eras
anteriores, a era do comercio transatlântico de especiarias e de escravos
liderado por Santiago de Cabo Verde onde surgiu a primeira cidade construída
pelos europeus nos trópicos, a Ribeira Grande de Santiago atual Cidade Velha e
posteriormente na era do Porto Grande do Mindelo.
Atualmente que cenário
temos para aproveitar a condição geoestratégica de S. Vicente e de Cabo Verde?
Acredito que o Porto
Grande atual caminha a passos largos para uma época de enquadramento no turismo
mundial de recreio e de cruzeiros. As condições da Baía do Porto Grande têm demonstrado
a sua capacidade de atração desse tipo de investimento. Contudo a Baía do Porto
Grande e a sua cidade terão a capacidade para acolher e enquadrar mais que um
tipo de atividade que em alguns aspetos tendem a terem usos conflitantes? O
porto comercial e o porto de cruzeiros? Que cenário se poderá adotar para que
S. Vicente continue sendo uma porta de entrada de mercadorias, sem que isso
ponha em perigo a beleza da Baía do Porto Grande considerada uma das mais belas
Baías do mundo. Por outro lado, se se adotar uma política somente especializada
num tipo de investimento voltado para o turismo de cruzeiro e de recreio, que
capacidade de carga a cidade do Mindelo terá para albergar o enorme movimento e
a realidade que daí poderá resultar no equilíbrio da população residente,
capacidade turística e de salvaguarda dos fracos recursos ambientais?
Acredito que as
autoridades competentes estarão a altura dessas novas oportunidades de
incremento da posição geoestratégica de Cabo Verde, da valorização da cultura
da cidade do Mindelo e do aproveitamento da Baía do Porto Grande como motor de desenvolvimento
duma cidade e duma ilha que surgiu e cresceu em função da sua condição de
cidade-porto.